sábado, 12 de novembro de 2011

Quem nasce pra ser Maria não chega a ser Dilma


Marcos Diamantino

Peço desculpas pelo título apelativo, mas essa frase me veio à cabeça logo após assistir ao curta-metragem “Vida Maria” (2006), de Marcio Ramos. O filme trata do problema da evasão escolar ao mostrar uma situação ligada a esse tema no sertão nordestino. Maria de Lourdes é a menina pressionada a abandonar a escola sucumbindo aos mandos da ignorância forjada por uma situação de carência social. O filme, uma animação em 3D, com personagens muito bem caracterizados, é reforçado pela trilha sonora de Herlon Robson, que dá o clima dramático do curta. O destaque, no entanto, é o plano sequência, em que assistimos, sem cortes, o desenrolar da vida de Maria de Lourdes, a partir do momento em que a escola deixa de fazer parte de sua vida.
O filme defende que a falta de ensino gera a reprodução de situações que concorrem para a falta de mobilidade social. O conceito de que educação é inútil é transmitido de geração para geração, do nascimento à morte, sem que esse círculo vicioso seja quebrado. Embora haja, inicialmente, o interesse natural da criança pelos cadernos, ele é sufocado pela ordem superior, no caso representada pela mãe: - “Maria de Lourdes, fica aí fazendo nada, desenhando o nome”. O estímulo, que possivelmente nasceu na escola rural, é abafado no ambiente doméstico.
Mesmo com a criança tendo o seu direito à educação garantido pela Constituição, não é raro encontrarmos o desrespeito às leis até mesmo pela falta de estrutura voltada ao ensino. Ao lado disso, temos também as pressões como a destacada em “Vida Maria”. “Se a minha vida é assim, por que a do meu filho deve ser diferente”. Esse pode ser o pensamento conformista diante da falta de um novo horizonte, de outra expectativa.
Na zona urbana, assistimos, da mesma forma ao problema da evasão, talvez numa outra dimensão. Em algumas comunidades, dominadas pelo tráfico de drogas, existe o conceito de que a figura do traficante, principalmente aquele que se traveste de agente social, seja mais importante que a do professor. A falta da educação somada à miséria e à necessidade da subsistência cria o ambiente propício para que as comunidades se organizem a partir de novos valores.
Há uma tentativa de se quebrar esse círculo com a adoção de algumas medidas. O Bolsa Família, criticado por muitos que veem nesse programa cunho assistencialista, ajuda financeiramente as famílias que mantiverem os filhos na escola. Entre erros e acertos, não deixa de ser um estímulo ao ensino. A fiscalização aos direitos da criança de frequentar a escola é outro caminho para evitar a evasão. Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, incentivou-se mais a criação de delegacias especializadas, como a Delegacia da Mulher, e os Conselhos Tutelares que têm a obrigação de apurar denúncias.
Diante de situações localizadas de evasão até mesmo a escola e o professor devem assumir novos papéis como o de buscar uma aproximação ainda maior com as famílias. Hoje são comuns projetos em que a escola cria condições para uma participação maior de pais e responsáveis no acompanhamento do ensino. Em minha cidade, acompanhei vários eventos, em que a escola, num esforço comunitário, oferece às famílias vários serviços gratuitos nas áreas da beleza, saúde e cidadania. O sentido é mostrar que a educação é algo amplo, contextualizado, que não pode ser negligenciado.
Maria de Lourdes, assim como Maria de Fátima, Maria das Dores, Maria da Conceição e outras tantas Marias parecidas com a personagem do filme “Vida Maria”, por certo têm ou terão uma vida sem perspectivas pela falta de educação. Se a história fosse diferente e mostrasse a personagem, embora com dificuldades, mas atendida pelo ensino, talvez pudéssemos ver até mesmo Maria de Lourdes em outra situação. Quem sabe, até na presidência do país. Um sonho? Que bom! Não vamos deixar morrer os nossos sonhos...